quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Inclusão social e o direito de não consumir - parte I

O post da última segunda-feira foi para falar sobre a criação da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (CIMOS) na estrutura do Ministério Público de Minas Gerais e para dizer que a sede da CIMOS-Central se encontra instalada na 2ª Promotoria de Justiça de Diamantina/MG. E vejam que coincidência: ontem já aconteceu algo que me remeteu ao assunto inclusão social e me pareceu importante a ponto de me despertar interesse em escrever um outro post a respeito.

Certa vez, meu sogro, uma figura raríssima, muito simples e bastante espirituoso, me disse que "a primeira coisa que mais dá dinheiro no mundo é um banco bem administrado, e a segunda coisa é um banco mal administrado". Ontem eu tive a nítida sensação de como isso é verdadeiro.

Fui à agência da Caixa Econômica Federal de Diamantina/MG para contratar um financiamento imobiliário. Como era horário de expediente (13h30min), sol a pino, estava eu (in)devidamente equipado com aquelas vestes que, embora absolutamente inapropriadas para um país tropical, contribuem para fazer com que as pessoas me reconheçam como Promotor de Justiça - normalmente até sem que eu precise dizer nada quanto a isso.

Cheguei à agência, me anunciei ao gerente e fiquei aguardando ser chamado. Durante a espera, pude perceber que uma senhora já de meia-idade, que aparentava extrema humildade e simplicidade, estava com dificuldades para transpor a porta giratória, tentando percorrê-la em sentido horário, quando ela na realidade funcionava no sentido anti-horário.

Depois da espera, que durou não mais do que 10 (dez) minutos, fui chamado. Sentado à mesa do gerente, ele, tratando-me por "Doutor Adriano", me entregou um contrato gigante de 26 (vinte e seis) páginas, em 4 (quatro) vias, para ler e assinar em cada página (no total, assinei 104 vezes). Todo o procedimento de leitura das cláusulas e assinatura das páginas deve ter me consumido cerca de 40 (quarenta) minutos - e olhe que eu li bem rápido. Não sei se você, leitor amigo, tem muita experiência em contratar financiamentos imobiliários, mas essa foi a minha primeira vez. E posso dizer que já fiz coisas mais fáceis na vida.

Apesar de ter entendido "o grosso" do contrato de financiamento, algumas cláusulas não foram plenamente compreendidas por mim. Uma coisa, porém, havia chamado minha atenção: no contrato, estava prevista a minha obrigação de contratar um seguro pessoal e imobiliário, dentre pelos menos 2 (duas) opções de seguradoras sugeridas pelo banco.

Concluída a assinatura do contrato, o gerente me apresentou um outro contrato, referente a um tal de "Construcard", em 2 (duas) vias, mas bem menos extenso que o anterior - talvez umas 6 (seis) páginas. Ele simplesmente me entregou o contrato e disse que era um crédito que a Caixa Econômica Federal estava disponibilizando para o caso de eu querer fazer alguma reforma no imóvel que eu estava acabando de comprar. Li e reli. Gastei mais uns 10 (dez) minutos, mas ainda não havia assinado esse último contrato.

Em seguida, o gerente me entregou outras 2 (duas) folhas, uma referente a um seguro de vida e outra referente a um seguro de casa. Vi que a soma dos dois dava algo em torno de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Perguntei: "eu tenho que contratar um seguro pessoal e um do imóvel, não é isso?". O gerente me respondeu afirmativamente. Quando eu já ia assinar essas 2 (duas) folhas, não sei por que, resolvi perguntar ao gerente o tempo de vigência desses seguros, pois meu financiamento durará 35 (trinta e cinco) anos, e eu não queria ter que ficar pagando R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) extras periodicamente. Ele me disse que a vigência desses seguros era anual. Lembrei que o contrato gigante que eu tinha acabado de assinar previa a apresentação de pelo menos 2 (duas) opções de seguradoras e aquelas propostas eram apenas da seguradora da Caixa Econômica. Então perguntei de novo: "mas eu sou obrigado a contratar esses seguros?". Ele, enfim, respondeu que obrigado eu não era, mas que aquela era uma cobertura mais abrangente, e blá, blá, blá.

Àquela altura, depois de quase assumir desnecessariamente uma despesa adicional de cerca de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), eu tinha matado a charada: os bancos - e, por óbvio, seus funcionários - possuem metas a cumprir. O que o gerente estava tentando fazer era vender, sem que eu percebesse, mais 2 (dois) produtos junto com o financiamento: um seguro de vida e um seguro de casa. E sem que eu precisasse comprá-los, pois, na realidade, o seguro pessoal e o seguro imobiliário que eu havia me obrigado a contratar já estavam como que automaticamente assumidos no contrato de financiamento imobiliário - o gigante - que eu tinha assinado.

Se essa situação estava acontecendo com os seguros, deduzi imediatamente que o "Construcard" - aquele, cujo contrato eu tinha lido em 10 (dez) minutos, mas ainda não havia assinado - era a mesma coisa: mais um produto que estava na meta de venda do banco, mas que eu não tinha a menor necessidade de adquirir. Dessa vez eu fui direto: "eu não preciso de assinar isso aqui, não é mesmo?". O gerente não teve como fugir: "não, não precisa". Ocorre que, por uma dessas imbecilidades que de vez em quando me acometem, acabei assinando o contrato do tal "Construcard", apenas me certificando de que ele somente me gerará despesas caso eu venha a utilizá-lo - o que não vai acontecer. Na hora tive a estúpida misericórdia de contratar o "Construcard" para ajudar a bater as metas não do gerente, mas de um outro funcionário bastante solícito com quem eu vinha tratando do financiamento.

Já com a situação bem compreendida na minha cabeça, decidi dar uma cutucada no gerente: "cadê as duas opções de seguradora que deveriam ser apresentadas para que eu pudesse escolher"? Depois de tentar rodear, ele disse que teria que solicitar a um funcionário do outro andar. Preferi desistir de analisá-las, pois aquilo já estava me tomando bastante tempo e poderia acabar me atrasando ainda mais. Além disso, os valores dos seguros embutidos no contrato do financiamento são relativamente baixos e não me causarão grandes prejuízos. Assinei o que precisava assinar e fui embora.

Nenhum comentário: