quarta-feira, 11 de julho de 2012

Ainda há justiça, nem que seja em Berlim!

Segue abaixo texto publicado no "blog do Fred", de autoria do Juiz de Direito Gustavo Sauaia Romero Fernandes, do Juizado Especial de Embu das Artes/SP. Os grifos são meus.

Os garantistas tupiniquins deveriam parar de acreditar em saci-pererê, curupira, coelhinho da páscoa, Papai Noel e presunção de inocência "à brasileira". Ou ao menos poderiam assumir claramente os interesses que os movem.


"Na semana passada, o futebolista brasileiro Breno Vinícius Rodrigues Borges, residente na Alemanha e ex-jogador do Bayern de Munique, foi condenado a pena de três anos e nove meses de reclusão, por ter incendiado a casa da qual era locatário. Estranhamente, nossa comunidade jurídica se calou perante um fato que, se ocorrido no Brasil, causaria arrepios. Refiro-me ao cumprimento imediato da pena estabelecida em primeira instância, mesmo ante a possibilidade de recursos. Tal situação é absolutamente normal na Alemanha, país onde pouco ou nada se fala contra a excelência do Poder Judiciário, muito menos sobre impunidade – menos ainda sobre desrespeito à defesa.



Sinceramente, como juiz de primeiro grau, gostaria que certos juristas explicassem por que um Estado notoriamente civilizado valoriza por completo as sentenças, enquanto outro desenvolve ojeriza implícita – quando não explícita – pelas mesmas. Nas entrevistas e artigos de praxe, destacam que “os juízes erram”. Parafraseando meu amigo Danilo Mironga, seriam os juízes alemães infalíveis, Pancho? Será que, no fim das contas, tinha razão quem advogava a superioridade ariana? O argumento seguinte seria dizer que os juízes brasileiros não tiveram a mesma formação acadêmica. Que eu saiba, é rigorosamente a mesma formação acadêmica dos desembargadores e Ministros. Incrivelmente, também foram as mesmas universidades de promotores, procuradores e advogados. Portanto, se esta assertiva valer, devo chamar Cazuza para concluir que somos iguais em desgraça e devemos cantar o blues da piedade.

Não discuto que um desembargador ou Ministro possui mais experiência. Tal vivência jurídica, e até de vida, constitui uma vantagem incontroversa. Por outro lado, o julgador de primeiro grau tem a seu favor o contato direto com a prova. O que agora tentam enfocar como temerário é, a rigor, o que mais aproxima o Poder Judiciário da verdade real. Quem pergunta e ouve as respostas, em audiência, tem a possibilidade de obter impressão inteligente e sensível sobre o que embasará a decisão. Conduzir a instrução não é problema. Pelo contrário. Fazê-lo bem é o melhor caminho para a solução da lide. Não é por outro motivo que, na maioria esmagadora dos países de melhor desenvolvimento humano, independentemente de o Direito ter origem romana ou costumeira, as decisões de primeiro grau têm efetivo valor. Trata-se de reconhecer um trabalho, no lugar de dar o erro judicial como presumido.

Vale destacar que, tanto lá como aqui, existem formas de impedir que uma sentença evidentemente equivocada tenha efeitos instantâneos. É o caso do Habeas Corpus. Mas o Direito brasileiro decidiu ir além. Além de suspensão ilimitada das sentenças condenatórias, a lentidão dos Tribunais Superiores faz com que, por vezes, nem exista a palavra final sobre ser o réu culpado ou inocente. No Brasil, é possivelmente o que teria sido de Breno, se tomarmos o exemplo de um ex-colega, o atual comentarista Edmundo. Mesmo com duas condenações, em primeira e segunda instâncias, seguiria atuando normalmente, até o dia em que o processo prescrevesse na fila do STJ ou STF. Não tenho o talento estatístico de alguns jornalistas, mas deve se tratar do único caso de um time estar ganhando por 2 a 0 e perder por WO. Daí se dizer que, em campo brasileiro, ampla defesa se transforma em torcida pelo réu.

Alheia a tais polêmicas, a Justiça alemã já coloca Breno pagando pelo que se concluiu ter feito. Na curiosa interpretação germânica, o princípio da Inocência significa que todos são inocentes até sentença em sentido contrário. Na avançada legislação brasileira, renovada a cada ano com projetos mais condizentes com um livro de ficção científica, o réu é inocente até que não caiba recurso algum. Enquanto isso, para todos os efeitos, ele é alvo de uma conspiração de policiais, testemunhas, promotores, juízes, desembargadores e, logicamente, vítimas. Pelo Bayern, a defesa exposta prejudicou a trajetória do zagueiro-réu. Estivesse no Brasil, a História seria outra. Não se trata mais de ampla defesa. É retranca descarada, mesmo.

Mas poderia ser pior. Parreira poderia ter sido jurista…".