quarta-feira, 20 de junho de 2012

Mais do mesmo

A notícia abaixo foi publicada no site do portal "Uai". Ela relata um caso que engrossa a interminável lista de crimes impunes no nosso país.

E não precisamos ir até Belo Horizonte para buscarmos casos vergonhosos de leniência estatal. Aqui mesmo em Diamantina eu me recordo de haver denunciado por homicídio doloso (praticado com a intenção de matar, com pena que varia de 6 a 20 anos de reclusão) um cidadão que estava dirigindo um veículo sem habilitação, em excesso de velocidade, na contramão direcional e bêbado, com mais de 10 (dez) decigramas de álcool por litro de sangue - quando 6 (seis) decigramas já são suficientes para caracterizar o delito de embriaguez ao volante. Não bastasse tudo isso, ele já respondia a um outro processo criminal exatamente por dirigir embriagado.

Esse cidadão colidiu com uma motocicleta, provocando a morte do respectivo condutor. Minha argumentação foi no sentido de que, diante de todas essas peculiaridades mencionadas acima, ele assumiu o risco de produzir o resultado morte, tendo agindo desde o início com excepcional indiferença, desobedecendo de uma só vez diversas normas de comportamento.

Em 1ª instância, o Juiz acolheu esses argumentos e reconheceu que o acusado deveria ser julgado pelo Júri popular. Porém, houve recurso da defesa e o Tribunal acabou revendo essa decisão, dizendo que "pelas circunstâncias que cercaram o fato não se vislumbra" que o réu tenha consentido em produzir o resultado morte. Se alguém não acredita, o acórdão do TJMG pode ser acessado aqui. Com isso, o réu poderá ser condenado por homicídio culposo (praticado sem intenção de matar, com pena de varia de 2 a 4 anos de detenção e possibilidade de substituição por "penas alternativas").

Somos ou não somos uma république bananière?



Prescrição por lentidão do judiciário garante impunidade a francêsEstrangeiro dirigia alcoolizado quando bateu em carro com cinco amigos na Savassi. Uma das vítimas continua em estado vegetativo


Publicação: 20/06/2012 06:00 Atualização: 20/06/2012 06:54


 "Estou no Brasil. Aqui nada acontece", Olivier Rebellato, francês que causou acidente em Belo Horizonte, na época, ao duvidar que seria punido

Madrugada de sexta-feira. Em clima de festa, cinco amigos voltam de uma boate pela Rua Alagoas, na Savassi, Zona Sul de Belo Horizonte, em um Mercedes Classe A, sem saber que seus destinos mudarão em fração de segundos. Ao passar pelo cruzamento com a Avenida Cristóvão Colombo, por volta das 3h50, o carro em que estão é destruído por um Chevrolet Captiva, dirigido pelo francês Olivier Rebellato. Quem vê o acidente conta que o estrangeiro, sem habilitação regular no Brasil, passou direto pelo sinal vermelho, em alta velocidade. Todos os ocupantes do Classe A se feriram e, desde então, uma jovem, hoje com 29 anos, está presa à cama, em estado vegetativo. Naquele 17 de abril de 2009 começava um enredo de irresponsabilidade, impunidade, injustiça, dor e revolta que teve um dos principais capítulos encerrado ontem. Beneficiado pela mesma Justiça da qual zombou, o francês, que dirigia alcoolizado, não pode mais ser responsabilizado criminalmente. Mais de três anos após o acidente, as vítimas foram ontem notificadas de que a demora em julgar o caso fez com que o processo prescrevesse. “É um absurdo, dá raiva, mas eu já esperava. A gente sabe que a impunidade é regra no Brasil”, revolta-se André Eduardo Magalhães, de 29 anos, que ficou em coma por 30 dias após o desastre.

Teste do bafômetro constatou que Olivier Rebellato dirigia sob efeito de álcool    (Sidney Lopes/EM/D.A Press -  17/4/09)
Teste do bafômetro constatou que Olivier Rebellato dirigia sob efeito de álcool
O francês também sabia da regra. Tanto que, mesmo sabendo da gravidade do acidente que provocou, debochou da situação, dizendo que, por estar no Brasil, nada aconteceria. E foi além: acrescentou que o caso só teve repercussão por que ele dirigia “um carro caro”, e não “um Fusca”. A situação de desamparo das vítimas – que assistiram impotentes ao causador do sofrimento ser solto, ter o passaporte devolvido por decisão judicial, fugir e agora ser livrado devido à demora da Justiça – não é um caso isolado. Só neste ano prescreveram 11 processos relativos a crimes de trânsito em Minas Gerais. Acidentes em que condutores alcoolizados mataram, feriram ou conduziram seus veículos de forma irresponsável. Em todos os autos os magistrados deixam claro sua insatisfação com a lentidão do Judiciário, que culminou na extinção da punição. No ano passado foram 30 processos de trânsito nessa situação, 33 em 2010 e 16 em 2009.

O francês Olivier Rebellato, então com 20 anos, foi preso em flagrante no dia do acidente e denunciado pelo Ministério Público por três crimes de trânsito: conduzir veículo sob efeito de álcool, dirigir sem habilitação e por causar lesão corporal culposa nas vítimas do acidente. Seis meses depois, a Justiça concedeu a ele liberdade provisória, condicionada ao pagamento de R$ 5.935,57 de fiança. Também devolveu-lhe o passaporte. Assim que recebeu o documento, o estrangeiro deixou o Brasil e se refugiou na França, onde está “a salvo”, já que o país não extradita seus cidadãos. Como o acusado desapareceu, a Justiça ordenou sua prisão preventiva, medida que acabou cassada com a prescrição do crime.

As falhas que garantiram a impunidade ao francês indignaram o próprio desembargador que constatou a prescrição, Renato Martins Jacob. Ele não quis comentar o processo, mas suas palavras no texto jurídico soam como um desabafo envergonhado. Na decisão, o magistrado considera que Olivier “praticou gravíssimo delito de trânsito”. Ele vai além, admitindo não ter perspectivas de que a Justiça prevaleça sobre a impunidade nos crimes de trânsito: “O quadro é de impotência e de desalento. Triste país. Às vítimas – cujas sequelas psicológicas agora são agravadas pela impunidade – resta-me pedir perdão, porque sou peça de um Judiciário moroso e que não se sensibiliza com tragédias como a descrita nos presentes autos”, escreveu.

As linhas da decisão seguem tecendo críticas à legislação brasileira e à inépcia do sistema judiciário. “O paciente foi responsabilizado pelo cometimento de crime culposo, cuja pena, como todos sabem, não se mostra suficiente para cumprir a sua finalidade de prevenção e repressão do crime”, diz o texto da decisão. Jacob completa, destacando que o que já não era rigoroso, se torna ainda pior e incentiva os comportamentos criminosos. “A insuficiência da pena ainda produz efeito mais nefasto no seio da comunidade, na medida em que propicia a prescrição da pretensão punitiva do Estado, causa, essa, de mais descrença e certeza da impunidade.”

O advogado e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) Fábio Tofic considera a prescrição um importante instrumento para impedir que a ineficiência do Estado culmine em punição antes do julgamento. Contudo, essa mesma incompetência, na sua visão, traz impunidade. “O que era uma garantia para que o acusado não ficasse indefinidamente sujeito ao processo e um limite para que sua culpa fosse provada se tornou um alento para quem comete crimes”, disse. Para o especialista em direito criminal, as mesas abarrotadas de processos dos desembargadores é que emperram o sistema. “A segunda instância é onde a morosidade mais ocorre. Dessa forma, penas pequenas acabam em prescrição. Isso porque o tempo de extinção do processo depende do tempo máximo de pena”, afirma. O especialista argumenta ainda que os prazos da defesa e do Ministério Público são curtos demais para causar tantas prescrições. “Os juízes não têm prazos. Por isso levam meses para despachar decisões simples”, diz Tofic.

Advogado das vítimas, Marcos Egg, que assistiu a promotoria no processo criminal contra Olivier, garante ter cobrado diariamente para que a Justiça não perdesse o prazo de julgamento. “Fomos todos os dias ao fórum. Mas os juízes levavam três meses para liberar um despacho de uma página. A secretaria (do tribunal) precisou de um mês para juntar o processo. Agora, resta apenas o processo cível. Pedimos R$ 2 milhões para os feridos”, disse o advogado, que tentará executar os bens do francês. “Mesmo ele estando em seu país, podemos conseguir isso por meio de tratados internacionais”, espera.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Já que não dá pra contar com os órgãos oficiais de repressão, o jeito é confiar nas "conveniências mercadológicas" de quem efetivamente manda!

Minha revolta e indignação com a política antidrogas brasileira - bem como com a forma pela qual ela é aplicada pelo Poder Judiciário, sobretudo no Supremo Tribunal Federal (STF) - é algo que eu já expus em outro post e que chega, inclusive, a me tirar a vontade de falar sobre o assunto. Apesar disso, pretendo em breve publicar alguma coisa a esse respeito, talvez um derradeiro protesto.

Por hoje, fiquemos com essa matéria, publicada no site do jornal "O Globo"Parabéns ao STF e aos outros tribunais brasileiros que o seguem bovinamente! Parabéns aos operadores do direito e aos doutrinadores picaretas! Todos, com a sua frouxidão bem(ou nem tão bem)-intencionada, propiciaram essa ímpar oportunidade para a manifestação de quem efetivamente parece mandar nesse país: Suas Excelências, os criminosos.

Tráfico proíbe a venda de crack em favelas do Rio


Boca de fumo na favela Mandela põe aviso de que vai proibir a venda de crack: é como uma farmácia anunciando que não vai vender mais remédios de tarja preta
O tráfico de drogas vai proibir a venda de crack nas favelas do Jacarezinho, Mandela e de Manguinhos. A informação foi publicada na coluna de Ancelmo Gois de hoje com a foto acima. A medida, decidida pela maior facção do tráfico no Rio, ocorre dois meses depois de lançado no Rio o programa "Crack, é possível vencer" -- do governo federal.
A ordem de proibir a venda de crack partiu de chefes do tráfico, que estão presos. A informação vinha circulando pelas comunidades, mas ontem pela primeira vez apareceu o cartaz anunciando a proibição, "em breve", ao lado da cracolândia da favela Mandela, na Rua Leopoldo Bulhões, na chamada Faixa de Gaza. Os traficantes ainda têm ali cerca de dez quilos de crack. Cada pedra custa R$ 10,00. Há informações de que os criminosos temem que a Força Nacional de Segurança ocupe aquelas favelas, como ocorreu na comunidade Santo Amaro, no Catete, onde está há um mês e já apreendeu 1.513 pedras.
-- Gostaria que essa decisão se espalhasse por todas as favelas do Rio porque o crack é uma droga devastadora e tem produzido só dor e sofrimento --  diz o líder do Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, que desde 2009 faz trabalhos sociais na Mandela.
Durante muito tempo o crack era vendido apenas em São Paulo. Dizia a lenda que os traficantes do Rio não queriam produzir "zumbis". Dependentes de crack vivem nas imediações das bocas de fumo, atraindo a atenção da mídia e de operações do poder público. O tráfico no Rio alegava que a clientela de crack -- miserável -- traria problemas à venda de maconha e cocaína, mas capitulou após supostas alianças com a facção paulista, e começaram a oferecer o entorpecente vendido junto com a cocaína.
O combate ao crack virou uma questão de honra para o governo Dilma, que anunciou investimentos da ordem de R$ 4 bilhões no programa lançado em dezembro do ano passado. A grande dificuldade, segundo o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, é a falta de pessoal capacitado para lidar com os dependentes de crack em todo o país. No Rio o programa foi implantado em abril, com a participação do governo do estado e da prefeitura. Só no Estado do Rio, a previsão de verbas da União é de R$ 240 milhões.
De alguma forma a prioridade dada pelo governo ao combate ao crack chegou ao conhecimento dos chefes da maior facção criminosa, que vende a droga nas favelas. Um sinal de que o governo federal vai combater com firmeza o problema pode estar no envio da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) ao Rio, apesar do desinteresse inicial manifestado pelo governo do estado. No domingo fez um mês que integrantes da Força Nacional de Segurança -- a tropa de elite subordinada ao Ministério da Justiça -- ocuparam a comunidade de Santo Amaro, que ainda não foi pacificada, na Zona Sul do Rio. Em um mês de ocupação, a Força Nacional realizou na favela 6.929 abordagens e apreendeu 650 papelotes de cocaína, 1513 pedras de crack, 840 gramas de maconha. Além disso, foram recolhidas munições, explosivos e armas.

Durante 180 dias, serão realizadas ações de polícia ostensiva, judiciária, bombeiros e perícia, em apoio às Secretarias de Saúde, Assistência Social e de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, nas áreas onde serão desenvolvidas as ações de implantação do Programa Crack, é Possível Vencer.
Nas favelas de Manguinhos, traficantes foram informados que a área poderia ser ocupada pela Força Nacional se o crack não fosse retirado de lá. Isso pode ter motivado a decisão dos traficantes. A decisão agradou muitos moradores da favela Mandela. Eles são testemunhas diárias do estrago causado pelo crack na comunidade. No Jacarezinho é possível ver usuários de crack na entrada da favela, mesmo por quem passa no asfalto. As operações policiais têm sido recorrentes, mas o problema está longe de ser resolvido.
Há três anos fazendo trabalhos sociais na favela Mandela, o líder do Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, afirma que tem visto a tragédia causada pelo crack na comunidade. Ele lembra que já teve que solicitar ajuda da Justiça para levar a um abrigo três crianças que eram abandonadas pelos pais, usuários de crack. A ONG Rio de Paz -- que nasceu envolvida cm a redução de homicídios -- tem um projeto social, que prevê a construção de uma padaria-escola e o apadrinhamento de crianças por famílias de classe média -- até a universidade.
Assista ao vídeo em que Antônio Carlos entrevista dona Veruska, uma usuária de crack. Ela confessa que é "uma droga maldita":
-- Eu fumo para deitar e acordo para fumar -- diz a moradora da favela Mandela.

sábado, 16 de junho de 2012

"Justiça" restaurativa - parte III

Dia desses eu recebi por e-mail um ilustrativo texto que explica essa "justiça restaurativa" de forma muito mais verossímil do que aquela que tenta ser vendida ao público geral com esse vocabulário empolado, cheio de termos "pedagógicos" do tipo "círculo restaurativo", "ética restaurativa", e blá, blá, blá.

São 2 situações hipotéticas que o Promotor de Justiça Eduardo Sens dos Santos, do Estado  de Santa Catarina, descreveu em seu "blog do Ministério Público". Vamos lá:

CASO 1:

"Enquanto isso, na sala de audiências...

Juiz – Boa tarde, dona Maria, como vai a senhora?

Maria – Olha, não está nada bom, seu juiz. Depois que ele me bateu eu tenho dor de cabeça todo dia e não consigo mais dormir.

Juiz – Vocês ainda estão vivendo juntos?

Maria – Não, abandonei esse malandro. Depois de apanhar tanto, quem é que quer viver com um homem desses...

Juiz – E o senhor, seu João, como vai?

João – Vou bem, seu juiz. Agora tá sobrando mais dinheiro, ela não gasta mais. Estou com outra mulher. Tudo na boa.

Juiz – O senhor está trabalhando?

João – Não, não... ainda não comecei a procurar emprego. Estou no seguro-desemprego. Pra mim tá bom por enquanto.

Juiz – Bem, dona Maria, seu João, o objetivo desta audiência é restaurar a paz entre vocês dois. É tentar ver os motivos do que aconteceu e melhorar a vida de todo mundo. Restaurar ao que estava antes.

Maria – Só se restaurar a minha cabeça no lugar, seu juiz. Ele quase me matou. O senhor viu as fotos?

Juiz – Er... ainda não... Deixa eu ver. Não tem fotos, só o exame de corpo de delito. Foram lesões na região ociptal, parietal e frontal.

Maria – Não, seu juiz. Ele me bateu na cabeça toda, nas costas, nas pernas, na cara, no braço. Com um pedaço de pau. E isso só porque eu pedi para ele trabalhar. Só a cicatriz tem um palmo. E agora eu estou na pior, com os filhos em casa, sem nada, e ele aí, na boa, com seguro-desemprego, só nos bailes.

João – (olhando para uma mensagem no celular).

Juiz – E se ele pedir desculpas, dona Maria, a senhora perdoa?

Maria – Mas daí o que acontece? Ele não vai receber uma punição?

Juiz – Er... veja bem, a justiça restaurativa existe em vários países e tem essa intenção de fazer as pazes entre os envolvidos, devolver a paz.

Maria – Seu juiz, pra mim está devolvida a paz se a Justiça fizer justiça, só isso. Se der uma pena pra esse vagabundo. A minha pena eu já recebi e vou levar pra toda vida, pelo que disse o médico. A dor de cabeça só vai piorar com o tempo.

Juiz – Não seria possível perdoar este homem que a senhora amou durante tantos anos?

Maria – Justamente por isso! Eu amei por seis anos e agora ele me surra feito uma cadela e eu, que dei casa, comida e roupa lavada, tenho que desculpar? Francamente... Qual será a pena para ele nesse caso seu juiz?

Juiz – A pena não ressocializa ninguém, não educa ninguém, dona Maria.

Maria – Olha, eu entendo pouco de lei, mas eu não quero que ele se ressociabilizibe, sei lá como falar isso. Educação eu já tentei de tudo, a mãe dele também, e os professores dele também. E aqui não é escola, é? Aqui é Judiciário. Eu só quero que ele seja punido. Só isso. É pedir muito?

Juiz – Mas a senhora tem que entender que...

Maria – Juiz, coloque a mão aqui na caminha cabeça. Sentiu o caroço? E aqui no braço, está vendo que este está mais curto que o outro? O que eu tinha que entender eu já entendi, doutor. Eu apanhei e o senhor quer que eu desculpe esse vagabundo?

João – Vagabundo não!

Maria – Ah, ele fala!

Juiz – (voltando-se ao digitador) - Diante da impossibilidade de restauração, abra-se vista ao Ministério Público.

Juiz (em pensamento) – Que gente mais inculta, não têm educação suficiente para entender os princípios da justiça restaurativa...

Maria (em pensamento) – Juiz frouxo, pra que pagamos o salário dele se ele não faz o seu dever...

João (em pensamento) – Me dei bem!"


CASO 2:

"Juiz – Boa tarde, seu Claudino, tudo bem com o senhor?

Claudino – (Olha para o chão, mexe os dedos...) – Sim, senhor.

Juiz – Que bom, é o primeiro passo para a restauração da paz. E o senhor, seu João?

João – Na boa, mano.

Juiz – Seu João, eu já lhe conheço de algum lugar?

João – Claro, magistrado, eu vim aqui em dezembro, pra uma outra "restaura". E depois o senhor me soltou em fevereiro também. Um cinco sete, mão armada, na saída do shopping, tá ligado?

Juiz – Ah, lembrei. Bom... Seu Claudino, esta audiência é para restaurar a paz entre vocês. Para o senhor expor o seu sentimento para o João e ele expor os motivos que o levaram ao crime contra o senhor. É a oportunidade de o João pedir...

João – Doutor, eu peço perdão sim. Peço desculpa. Seu Claudino, eu peço perdão pro senhor, viu?

Claudino – (Olha para o chão, tamborila nas pernas) – Si... sim.

Juiz – Seu João, o senhor pode explicar os motivos do seu ato?

João – (com um colar de ouro e um relógio importado no pulso, tênis Nike original) - Seu juiz, eu tava desempregado fazia cinco anos, sem comida em casa, daí comecei a roubar os grã-fino na saída do shopping. Calçava eles com uma ponto quarenta que roubei de um polícia. Era pra gente sobreviver que eu roubava.

Juiz – Seu Claudino, e o senhor, como se sente?

Claudino – (rosto ruborizado, orelhas idem) – Eu também fiquei desempregado... Eu tava.... estava saindo do sho... shopping. Era o final do meu primeiro mês de traba... trabalho. Era aniv... aniversário do meu filho. Eu tinha R$ 545,00 no bol... no bolso. Meu salário do mês...

Juiz – O senhor se sentiu muito mal, senhor Claudino?

Claudino – (olha incrédulo para o juiz) – Si... sim...

Juiz – O senhor entende as razões do seu João?

Claudino – (olha para o João, olha para as tatuagens no braço, uma caveira e um tacape, João olha firme para Claudino) – Entendo... mas... (longo silêncio).

Juiz – Então estamos indo bem! Claudino, o senhor perdoaria João?

Claudino – (nem olha para João) – Si... sim. E o meu salário?

Juiz – João, o senhor se compromete a devolver ao seu Claudino o dinheiro?

João – Claro, excelentíssimo. Só preciso de um prazo, sabe como é, estou desempregado.

Juiz – Em trinta dias, pode ser?

João – Sem dúvida, Excelência. Podexá comigo que a gente providenciemo.

Juiz – Está bom para o senhor, seu Claudino?

Claudino – (já com olhar de tudo-está-perdido) – Si... sim...

Juiz – Vocês agora podem se apertar as mãos. A Justiça foi restaurada!

Assinam a ata de audiência. O juiz manda o processo para o arquivo. Um a menos.

Na saída da sala de audiências...

João – (em pensamento) – Gostei desse juiz. E esse otário, nunca vai ver a cor da grana. Seu deu mal!

Claudino – (em pensamento) – Vou mudar de cidade...

Juiz - (em pensamento) - Hoje até que foi fácil, que bom quando tudo dá certo!"


Então, leitor amigo, que tal essa "modalidade diferenciada de resposta ao crime"? Como diria um bombeiro hidráulico e eletricista que me prestou serviços recentemente, ao filosofar sobre a evolução da qualidade dos materiais de construção: no Brasil as coisas "melhoram pra pior"...

"Justiça" restaurativa - parte II

Tudo muito bom, tudo muito bem. Quanta simpatia, não é mesmo? Diante da prática de um delito, terá início um círculo restaurativo, tratando-se de uma "modalidade diferenciada de resposta ao crime". Como diria o cronista José Simão, "tucanaram" a impunidade! Agora ela se chama "modalidade diferenciada de resposta ao crime".

Se você, leitor amigo, se interessar em saber maiores informações, certamente perceberá que essa tal de "justiça restaurativa" parece supimpa como ela só! A parte que explica o objetivo do "círculo restaurativo", então, é uma beleza. Veja só: "O Círculo não se destina a apontar culpados ou vítimas. Busca despertar a percepção de que nossas ações nos afetam e afetam aos outros, e que somos responsáveis por seu efeitos". E a "ética restaurativa"? Apreciem: "A ética restaurativa é de inclusão e de responsabilidade social e promove o conceito de responsabilidade ativa". Deu pra entender?

Mas como funciona esse tal de "círculo restaurativo"? Ora, é muito simples: "é a reunião de pessoas diretamente envolvidas na situação de violência ou conflito, seus familiares, seus amigos e a comunidade. (...) A dinâmica ocorre em uma sala onde as cadeiras são organizadas em círculo onde terão assento o ofensor, a vítima, seus parentes e representantes da comunidade".

Para lidarmos com criancinhas em desenvolvimento, a proposta parece ótima. Tipo: Huguinho, Zezinho e Luizinho, alunos da 1ª série do ensino fundamental, se desentenderam sobre quem dos três seria o Change Pegasus, o Change Dragon e o Change Griffon na brincadeira do recreio. Por causa disso, brigaram feio, com direito a muitas bolinhas de papel arremessadas reciprocamente, alguns sopapos tão violentos quanto seria possível para crianças de 7 anos e um par de ofensas pessoais - proferidas com aquelas vozinhas infantis estridentes - do tipo "você parece mais é com a Change Mermaid, ai, ai, ai", e "você é a Change Phoenix, ui, ui, ui". A professora, então, intervém, senta os três em um cantinho da sala, explica algumas noçõezinhas básicas de convivência em comunidade, faz com que eles dêem as mãozinhas e pronto, tá tudo certo. O "círculo restaurativo" cumpriu sua missão.

Contudo, para lidarmos com criminosos, a proposta de "justiça restaurativa", além de ser um escárnio, é simplesmente o subsolo do fundo do poço.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

"Justiça" restaurativa - parte I

"Nunca antes na história desse país" esteve tão em voga atribuir nomes "fofinhos" a idéias desmerecedoras de qualquer adjetivo positivo. É possível percebermos cotidianamente que o significado prático de algumas coisas não corresponde ao seu significante, os objetos não cabem nos seus respectivos conceitos.

Exemplo disso é o que se convencionou chamar "Justiça" restaurativa. Vejam a notícia que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais publicou em seu site há alguns dias:


06/06/2012 - Minas implanta Justiça Restaurativa

O presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Cláudio Costa, e o governador do Estado de Minas Gerais, Antônio Anastasia, vão assinar, em 11 de junho de 2012, às 10h, no gabinete do governador na Cidade Administrativa, termo de cooperação técnica entre o TJMG, o Governo de Minas, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Prefeitura de Belo Horizonte, para a implantação do projeto Justiça Restaurativa no Estado.

A iniciativa no TJMG foi da 3ª vice-presidência e superintendente da Assessoria de Gestão da Inovação (Agin). Veja mais informações, acessando aqui.

A solenidade de lançamento do projeto será realizada em 12 de junho, às 9h, no auditório do anexo 2 do TJMG. Serão apresentadas as palestras “Justiça restaurativa, suas dimensões e a influência em uma cultura de responsabilidade”, com Mônica Maria Ribeiro Mumme, e “Valores/princípio e experiência da justiça restaurativa em São Paulo”, com o juiz de Direito da Vara Infracional da comarca de São Paulo, Egberto Penido.

A justiça restaurativa é uma modalidade diferenciada de resposta ao crime que busca resolver o problema que causou o delito, considerando suas causas e consequências e adotando procedimentos para promover a restauração das relações e a reparação dos danos causados. A ética restaurativa é de inclusão e de responsabilidade social e promove o conceito de responsabilidade ativa.

O processo restaurativo é realizado quando as partes envolvidas espontaneamente assumem as suas responsabilidades perante os acontecimentos e manifestam a sua concordância em participar do círculo restaurativo.

Assessoria de Comunicação Institucional - Ascom
TJMG - Unidade Goiás
(31) 3237-6568
ascom@tjmg.jus.br