segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Não entendo essa gente

Li hoje a notícia de que a Advocacia Geral da União (AGU) ajuizou uma ação* para suspender as contas do Twitter que avisam sobre a localização de radares e divulgam informações de data, horário e local onde esteja sendo realizada blitz policial.

Noves fora a duvidosa legitimidade da AGU para essa ação, a notícia me lembrou uma outra que eu li há algum tempo, no site do jornal "Estado de Minas", na qual o desembargador Alexandre Victor de Carvalho (AVC) - um dos maiores expoentes do garantismo penal no Tribunal de Justiça de Minas Gerais - dizia que "quando alguém posta na internet onde está ocorrendo blitz, sabota uma atitude do estado para coibir motoristas embriagados".

Interessante. Quando a questão da embriaguez ao volante aparece na 5ª Câmara Criminal do TJMG, o desembargador AVC, a pretexto de fazer uma "interpretação constitucional" do crime previsto no art. 306, da Lei 9.503/97, e citando a obra-prima de Luigi Ferrajoli, considera que "deve-se exigir que a acusação, além de fazer referência à prova de que o condutor do veículo automotor se encontrava com concentração de álcool por litro de sangue superior a seis decigramas, demonstre que este estado do condutor fê-lo dirigir com perigo concreto para a segurança viária, bem jurídico penalmente tutelado na Lei 9.503/97".

Trocando em miúdos, o entendimento do desembargador AVC - e também de vários outros juristas - é o seguinte: se um bêbado está dirigindo o carro de forma normal e é parado em uma blitz, seria inconstitucional prendê-lo, pois ele não está prejudicando a segurança viária (!!!). Se depois de ser abordado, ao virar a esquina, o bêbado começar a dirigir em "zig zag", bater em outro carro, atropelar alguém, aí sim ele comete crime.

Parece curioso isso, haver um artigo oculto da Constituição que nos permite dirigirmos bêbados (desde que nos comportemos ao passar por uma blitz), e, por outro lado, sermos potencialmente tachados de sabotadores quando usamos um artigo explícito dessa mesma Constituição (art. 220, "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição"). É uma lógica bastante peculiar, essa daí.

Fico imaginando a situação: o cidadão é proibido de "sabotar o Estado" usando o Twitter para avisar onde está ocorrendo blitz. Aí o bêbado é parado, sopra o bafômetro e é denunciado por dirigir embriagado. O processo chega ao TJMG, às mãos do nosso AVC, e então o bêbado, mesmo estando comprovadamente bêbado, é..... absolvido! Os "sabotadores do Estado" ficam sem exercer seu direito constitucional e os ébrios continuam soltos e dirigindo - exercendo seu direito constitucional! Francamente, quem é o sabotador dessa história?

Uma mente um pouco menos excelentíssima talvez se perguntasse: não seria mais eficiente simplesmente punir os motoristas bêbados? Para os nossos Césares, essa conclusão seria muito boçal. Afinal, nossa Constituição não serve ao povo, mas sim aos doutores das constitucionalidades.

Fala sério, esses garantistas são ou não são uma diversão?


*O andamento da ação ajuizada pela AGU pode ser acompanhado por este link.

3 comentários:

Anônimo disse...

Adriano, meus parabéns pelo blog e pela excelência dos posts! Acabo de fazer um post inspirado em seu último texto! (http://marcelocunhadearaujo.blogspot.com/2012/02/o-que-e-mais-engracado-nos.html) Grande abraço, Marcelo Cunha

Adriano D. G. de Faria disse...

Marcelo, muito obrigado pelo seu valioso incentivo e pela divulgação do post. Saiba que seu blog é para mim uma fonte de consulta freqüente - sou seguidor, inclusive! Espero que você não se importe de eventualmente ceder alguns textos do "Praxis, Poiesis e Crítica Criminal" para enriquecer este nosso espaço. Um abraço!

Anônimo disse...

Claro, Adriano! A honra será minha! Grande abraço!